PL do Marco Temporal avança e gera apreensão

  • Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado aprovou Projeto de Lei 2903, que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas;
  • PL defende que a data da promulgação da Constituição, em 05/10/1988, é o parâmetro apropriado de marco temporal para verificação da existência da ocupação da terra pela comunidade indígena;
  • Aprovação é vista como uma ameaça aos povos indígenas, com prejuízos à preservação ambiental, por deputados da Câmara, ONGs e associações representantes da sociedade civil.
  • Imagem: Índio Pataxó em Bom Jesus da Lapa (BA). Crédito: Karenalmeid Creative Commons

A Comissão de Reforma Agrária e Agricultura (CRA) do Senado Federal aprovou nesta quarta-feira, 23/08/2023, o Projeto de Lei 2903 (PL 490 na Câmara dos Deputados), conhecido por estabelecer um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A relatora, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) disse estar “convicta de que a data da promulgação da Constituição federal, 05/10/1988, representa parâmetro apropriado de marco temporal para verificação da existência da ocupação da terra pela comunidade indígena”, segundo conteúdo da Agência Senado.

O texto aprovado determina que, para uma área ser considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que de fato vinha sendo habitada pela comunidade em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas, ainda de acordo com a Agência Senado. O PL segue para a Comissão de Constituição e Justiça.

Representantes do governo, associações e organizações da sociedade civil manifestam preocupação com o avanço do PL. O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) já está atuando no Senado para que o projeto passe por outras comissões, como Meio Ambiente e Direitos Humanos e Legislação. O MPI é contrário ao texto e o considera como um retrocesso para os direitos dos povos indígenas.Veja a nota técnica do Ministério.

Joenia Wapichana, presidente da Funai

A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, afirmou que o projeto avançou sem qualquer tipo de consulta aos povos indígenas, em descumprimento a uma resolução da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o tema, da qual o Brasil é signatário.(Agência Senado)

PL do Genocídio

O Projeto de Lei, que está sendo chamado de PL do Genocídio, foi proposto originalmente em 2007 e teve tramitação acelerada a partir de 2022. Cogita-se que a bancada ruralista tenta avançar com o marco temporal no Congresso antes do julgamento da questão no Supremo Tribunal Federal, que pode julgá-lo inconstitucional.

“Em pleno século 21, com o avanço da emergência climática e da crise da biodiversidade, e com os mercados de commodities dizendo não a produtos de áreas desmatadas, os ruralistas insistem no esbulho dos territórios que protegem um quarto da Amazônia e que são fundamentais para a manutenção da cultura de três centenas de povos.”

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima

Na terça-feira (22/08), 310 organizações da sociedade civil publicaram uma carta pedindo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que cumpra seu compromisso de garantir um debate adequado sobre o tema, encaminhando o PL às comissões de Direitos Humanos, Meio Ambiente e Assuntos sociais. Dessa forma, dizem as organizações, poderá haver “uma análise tecnicamente qualificada de seus diversos aspectos e (…) ampliada a consulta aos povos indígenas, que serão diretamente afetados por essa mudança de regras”.

O Greenpeace Brasil afirma em nota à imprensa que o avanço do PL do Marco Temporal representa mais um passo em direção ao “vale tudo nas Terras Indígenas”. A assessora de Políticas Públicas da instituição, Luiza Lima, afirma que o avanço do PL “mostra o desprezo da bancada ruralista pelos direitos dos povos originários e pelo futuro do nosso país. Afinal, está mais que comprovado o papel fundamental das Terras Indígenas para conter o avanço da crise climática.”

“O PL também vai na contramão dos compromissos internacionais assumidos por Lula no combate ao desmatamento e à criminalidade na Amazônia. Na pressa para aprovar o projeto antes do julgamento do Marco Temporal no STF, quem perde é o Brasil.”

Luiza Lima, assessora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil

Análise do STF

Maria Fernanda Messagi, advogada do escritório Pineda & Krahn

O Brasil tem hoje 1.393 territórios indígenas que já foram demarcados ou estão em processo de homologação e identificação. De acordo com a advogada do escritório Pineda & Krahn, Maria Fernanda Messagi, a Constituição da República de 1988 não é a primeira legislação sobre o tema. Em 1973, a Lei 6.001 criou o Estatuto Indígena e, em 1996, o decreto 1.775, dispôs sobre o procedimento administrativo de demarcação de terra indígena, porém a Constituição de 1988 foi a primeira Constituição a reconhecer os direitos originários sobre a população indígena.

De acordo com a advogada Messagi, é difícil saber os próximos passos do Marco Temporal em Brasília, pois tem de um lado, o STF com o julgamento e, de outro, um Projeto de Lei que regulamenta e que agora começa a caminhar no Senado. “A gente tem dois grandes eventos sobre o assunto. Um é o julgamento do STF e o outro é o Projeto de Lei, que se sair, regulamenta essa situação, o que não significa que uma lei consolidada sobre o assunto não possa ser questionada no STF.”

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