- Com talas de arumã e bacaba, mulheres do povo indígena Paumari retomam artesanato tradicional, conhecimento que vinha sendo praticado por apenas três delas.
- Trabalhos como balaios, paneiros, esteiras e abanos são conhecidos por toda a Bacia do Purus, no sul do Amazonas.
- Imagem: Cestarias e abanos representam fonte de renda para as mulheres. Crédito: Talita Oliveira/OPAN
O artesanato do povo Paumari é conhecido por toda a bacia do Purus, ao sul do Rio Amazonas, com registros nos primeiros relatos de viajantes no século XVIII. Porém, a produção de balaios, paneiros, esteiras e abanos vinha sendo praticada por poucas mulheres – especificamente três – e havia o temor que o conhecimento se perdesse.
Em 2021, Deusilene Paumari, na época presidente da Associação Indígena do Povo das Águas (AIPA), foi convidada a participar de uma formação para mulheres indígenas chamada Entre Parentas, organizada pela OPAN e pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). Na formação, além de aprenderem sobre o gerenciamento de associações e projetos, Deusilene e as mulheres Paumari foram convidadas a elaborar e executar um projeto de dez mil reais.
Antes de retomarem a produção de artesanato, as mulheres começaram a se organizar pela cozinha, durante o trabalho realizado por elas no período de pesca do pirarucu. Depois, decidiram que poderiam participar de outros espaços junto com os homens.
“Nós, como mulheres, resolvemos puxar aquilo que já vinha dentro de nós: o nosso conhecimento da natureza, nosso saber de tecer.”
Kamelice Paumari, da coordenação temática do trabalho das mulheres da AIPA
Transmissão do conhecimento
No início do trabalho, muitas pensaram em produzir utensílios de cozinha, mas analisaram que isso já existia. Kamelice Paumari, que atua na coordenação temática do trabalho das mulheres da AIPA, conta que ficou decidido que o investimento seria feito em outra atividade. Houve então a decisão de investir no conhecimento das mulheres da natureza, no saber tecer.
Desde então, foram realizados diversos encontros, tanto entre mulheres Paumari do Tapauá, quanto entre elas e as Paumari da Terra Indígena Paumari do Lago Marahã (localizada também no médio Purus), que mantém a cultura do teçume.
Os encontros tiveram o objetivo de proporcionar a transmissão de conhecimentos entre as mulheres mais experientes na arte e aquelas que precisam praticar mais, ou estavam começando a aprender, além do aprendizado de novas técnicas e discussões sobre preços e mercado.
Desde 2013, o fortalecimento da organização social e gestão territorial do povo Paumari é apoiada pelo Raízes do Purus, projeto realizado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN), com patrocínio da Petrobras e do Governo Federal.
“Hoje umas 17 mulheres sabem tecer o seu próprio artesanato e antes não sabiam nem tecer uma tala. É difícil? É. Mas a gente quer e a gente tá sendo capaz de construir todo mundo junto. Motiva mais ainda quando a gente consegue ver cada mulher feliz com seu artesanato. A gente vai evoluindo tão rápido no conhecimento de cada aprendizado, de cada significado do nosso grafismo paumari que vai nos cestos”, conta Kamelice, emocionada.
Tecer, partilhar e fortalecer
As reuniões das mulheres também são importantes momentos de fortalecimento da cultura do povo Paumari, pois promovem o encontro entre as mais jovens e as anciãs, despertando o desejo de ensinar e aprender cada vez mais. Também são uma oportunidade para a partilha de sonhos e desejos entre as mulheres Paumari, fortalecendo sua organização social e mobilização política para continuarem ocupando outros espaços estratégicos.
“Minha querida vó Laurinda me disse que está muito feliz de ver as mulheres se reunindo para tecer. Hoje ela está contente que as mulheres estão valorizando e aprendendo o que já tinha deixado de lado e hoje estamos juntas, aprendendo e realmente buscando a cultura Paumari”, narra Kamelice.
Apoio dos homens
Os encontros também mostram que as mulheres Paumari estão conseguindo provocar reflexões e mudanças nas relações de gênero do povo. Para que elas pudessem se dedicar integralmente aos encontros, os homens se organizaram para coordenar a cozinha, fato até então inédito. Eles também incentivam e apoiam o trabalho de mobilização e produção do artesanato e vão até a floresta coletar talas de arumã e bacaba, matéria prima para as cestarias e abanos.
Kamelice conta que desde o início as demandas das mulheres foram acolhidas pelos homens do povo. “A gente levou pra eles que a gente podia resgatar nossa cultura, que não tinha se perdido de vez. A gente vem sempre cobrando eles para que a gente possa estar participando junto com eles e nisso eles vem nos apoiando também”.
Geração de renda
O artesanato produzido pelas mulheres vem se convertendo também em fonte de renda. Elas já levaram o artesanato para a III Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília (DF), e outros eventos locais no município de Lábrea (AM), além de receberem pedidos de encomendas.
“Isso também é para que mais pra frente a gente consiga andar com as próprias pernas. A AIPA investiu nas mulheres e hoje estamos aqui. A gente já conseguiu nos organizar e ter um fundo que a gente está construindo e levantando aos poucos”, finaliza Kamelice.