Rede científica pretende estabelecer sistemas de produção de lúpulo no Brasil

  • Ingrediente essencial da indústria cervejeira, o lúpulo ainda é pouco cultivado no Brasil. Trabalho científico procura mudar isso, viabilizando o cultivo de um lúpulo com características locais.
  • Pesquisa multidisciplinar pretende estabelecer um protocolo de manejo do lúpulo adaptado à Serra Fluminense.
  • Estudo analisa o uso de fungos e bactérias capazes de beneficiar o desenvolvimento da planta. Experimentos com a bactéria Azospirillum possibilitaram aumento de 52% de biomassa na parte aérea da planta. 

Estudos realizados pela Embrapa na Região Serrana Fluminense apontam que o lúpulo pode ser beneficiado pela ação de bactérias e fungos encontrados na natureza. A exemplo de outras culturas em que os produtores já utilizam bioinsumos para potencializar a produtividade, experimentos com mudas inoculadas com a bactéria Azospirillum possibilitaram aumento de 52% de biomassa na parte aérea da planta. “Nossa perspectiva é obter um bioinsumo que estimule a produção de mudas mais vigorosas, com menor tempo de viveiro e que reflitam em benefícios em relação à produtividade e, quem sabe, até na qualidade sensorial do lúpulo”, explica o pesquisador Gustavo Xavier, da Embrapa Agrobiologia (RJ). O trabalho é uma das frentes da Rede Lúpulo, um esforço multi-institucional e multidisciplinar voltado a criar condições para o estabelecimento da cultura no País, começando pelo Rio de Janeiro (mais detalhes abaixo).

O experimento foi realizado no Viveiro Ninkasi, localizado em Teresópolis (RJ), o primeiro reconhecido pelo Ministério da Agricultura (Mapa) para produção de mudas de lúpulo no Brasil. Com as práticas de manejo usuais já realizadas no viveiro, os pesquisadores testaram bactérias e fungos armazenados na coleção do Centro de Recursos Biológicos Johanna Döbereiner (CRB-JD), em Seropédica (RJ). São microrganismos que, reconhecidamente, têm a função de promover o crescimento de plantas, mas não se sabia ainda se teriam algum benefício sobre o lúpulo.

A pesquisa avalia também alguns substratos que são eficientes em outras culturas, como o gongocomposto (substrato produzido por gongolos). Nesses testes de campo, os pesquisadores observaram um incremento de 50% em relação ao substrato comercial. Na busca por um manejo do lúpulo adequado ao solo e clima da região, os pesquisadores reuniram uma equipe multidisciplinar, que analisa desde o uso de microrganismos na produção de mudas até o controle biológico de pragas de doenças na cultura.

Plantação de lúpulos. Foto de Ricardo Linhares

Por se tratar de uma cultura ainda incipiente no Brasil, e principalmente na Região Serrana do Rio de Janeiro, há poucos registros científicos que possam balizar as orientações quanto ao manejo adequado do lúpulo. “Como cada um de nós analisa o experimento dentro da nossa área de conhecimento, o experimento fica robusto, com várias avaliações. O que é um grande benefício para a cultura”, pontua o pesquisador Orivaldo Saggin, especialista em fungos micorrízicos.

As micorrizas são associações entre alguns fungos do solo e raízes de determinadas plantas, que ocorrem nos mais diversos ecossistemas. As hifas das micorrizas – estruturas que compõem as células de um fungo – associam-se às raízes das plantas e auxiliam na absorção de água e sais minerais do solo (principalmente fósforo e nitrogênio). Como o lúpulo é uma planta que depende muito da raiz para o seu desenvolvimento, os pesquisadores estudam a possibilidade de desenvolver e aplicar um produto biológico para estimular a planta na absorção de nutrientes.

A pesquisadora Norma Rumjanek explica que os conhecimentos do microbioma associado com plantas vêm ganhando destaque e podem revelar novas oportunidades tecnológicas. “O objetivo é otimizar os benefícios dos processos microbiológicos que envolvem a planta, os microrganismos e o ambiente”, relata, ao explicar que a intenção é avaliar diferentes dosagens do inoculante bacteriano e de substratos nas cultivares mais utilizadas pelos produtores fluminenses.

Além de fazer novos testes de campo com diferentes bactérias da coleção biológica da Embrapa Agrobiologia, os pesquisadores querem conhecer também como se dá a interação do lúpulo com outros microrganismos, como fungos e bacilos. “Ainda que os resultados sejam preliminares, eles apontam as potencialidades de expansão desses bioinsumos para a cultura do lúpulo”, complementa Xavier.

Descobrindo o manejo ideal

Mas não só nos microrganismos é focada a pesquisa com o lúpulo na Serra Fluminense. Por se tratar de cultura recente na região, há pouquíssimo material orientador que aborde manejo, colheita e pós-colheita levando em conta as características e necessidades locais. Pensando nisso, pesquisadores dos três centros de pesquisa da Embrapa no Rio de Janeiro vêm atuando dentro de suas expertises no desenvolvimento de tecnologias e informações adequadas à produção e ao mercado. Os cientistas querem obter um lúpulo com qualidade diferenciada, especialmente no que se refere às características de aroma.

Desidratação para aumento da vida útil do produto

A equipe técnica da Embrapa Agroindústria de Alimentos estabeleceu um protocolo para seleção e classificação das flores de lúpulo de acordo com critérios de cor. O tempo e a temperatura ideais para desidratação foram preliminarmente definidos após estudos conduzidos na Planta Piloto de Processamento de Alimentos do centro de pesquisa. “Em testes preliminares realizados com cones de lúpulo da variedade Cascade, produzidos em Nova Friburgo (RJ), verificou-se que a desidratação deve ser realizada à temperatura de 40 ºC, por um período de cinco horas e meia, para preservar as suas qualidades”, afirma a pesquisadora da Embrapa Regina Nogueira. O produto desidratado foi acondicionado em embalagem tipo PET metalizada, embalado a vácuo e armazenado em local seco. Quando se armazena o lúpulo desidratado a vácuo, sua qualidade pode ser preservada por até um ano se mantido refrigerado (5 °C) ou congelado (-15 °C), segundo a pesquisadora.

Como desdobramento dessa ação, está em estudo o dimensionamento e a construção de um secador para flores de lúpulo em escala piloto a ser adotado por pequenos produtores da Serra Fluminense. “A ideia é desenvolver um equipamento para desidratação de lúpulo, com sistema de controle de temperatura e velocidade do ar, resultando em um produto estável para armazenamento à temperatura ambiente, sem a necessidade de adição de agentes para controle de crescimento microbiano”, conta o pesquisador Félix Cornejo.

Rede Lúpulo: cultura volta ao campo quase 150 anos depois

A primeira tentativa de produção de lúpulo em território nacional foi registrada na Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, em 1869, pelo comendador Pereira Bastos, com 159 plantas. Naquele período, foram registrados resultados positivos na Fazenda Normal, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Apesar do sucesso inicial, o calor e a seca na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1881, dizimaram o cultivo, encerrando a iniciativa local.

Somente em 2016, quase 150 anos depois, o lúpulo voltou a ser produzido no Rio de Janeiro por pequenos produtores da Serra Fluminense. Em junho de 2018, formou-se a Rede de Fomento à Cultura do Lúpulo na Região Serrana Fluminense (Rede Lúpulo), com pesquisadores da Embrapa Agrobiologia, Embrapa Agroindústria de Alimentos, Embrapa Solos e Pesagro-Rio, professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), extensionistas da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio de Janeiro (Emater-RJ), produtores de lúpulo e de cerveja artesanal, Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo (Acianf), Rota Cervejeira, Beer Alliance Nova Friburgo e Região, Viveiro Ninkasi, além de representantes do Ministério da Agricultura, Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Micro Empresas (Sebrae) e Banco do Brasil (BB). A Rede Lúpulo é apoiada pelo Mapa e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Desde então, estão sendo conduzidos trabalhos de pesquisa e extensão com lúpulo na região, para validar um sistema de produção para ambientes tropicais. “Um dos fatores de sucesso dos trabalhos em andamento se deve ao fato de toda a cadeia produtiva estar representada na Rede Lúpulo”, afirma o analista da Embrapa Fernando Samary.

Em 2021, o Brasil importou, aproximadamente, 4,7 mil toneladas de lúpulo, totalizando mais de 450 milhões de reais. A fim de diminuir essa dependência, além do Rio de Janeiro, a cultura do lúpulo também se expande em outros estados brasileiros, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Norte; a maioria em pequenas propriedades com até um hectare, para atender à produção local de microcervejarias.

Para a produção de cerveja, os quatro ingredientes básicos são: água, trigo, cevada e lúpulo. O último é considerado o tempero da cerveja, exatamente o que lhe confere aroma e sabor. O lúpulo é o insumo mais caro de sua produção. As grandes regiões produtoras de lúpulo no mundo encontram-se no Hemisfério Norte, nas faixas mais frias da América do Norte, Europa e Ásia. O produto importado é normalmente vendido em embalagens de 400 gramas, que podem custar até 300 reais. Comercializado em grande escala para diversas partes do mundo, o lúpulo passa por um processo térmico de conservação de sua vida útil de até dois anos, chamado peletização. O aroma e o sabor do produto, apesar de ainda marcantes, não são similares aos do produto fresco.

Fonte: Embrapa

Mais informações sobre o tema: Lavouras de lúpulo no Brasil – Embrapa

Mais notícias Embrapa: