O anúncio feito este ano pelas montadoras chinesas BYD e TEVX Higer de investimento em novas fábricas no Brasil para produção de veículos elétricos e a recente apresentação do Plano de Transformação Ecológica pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) trouxeram novamente à pauta um tema que não costuma estar na ordem do dia nos debates sobre energia: a mobilidade elétrica.
Esse é um assunto que, até agora, os governos – federal e estaduais – ainda não tomaram a dianteira, e o mercado não tem posição clara ou de consenso. Há setores, inclusive, que defendem que o Brasil nem adote carros elétricos, haja vista a nossa grande oferta de biocombustíveis.
O fato é que, apesar das divergências e do debate tímido, a eletrificação da frota de veículos – leves e pesados – não é mais uma tendência. É realidade, cresce a cada dia, não tem mais volta. E, no caso do Brasil, não significa abandonar os biocombustíveis. Claro que não. Significa sim dar um novo salto, ter um novo “combustível”. Diversificar a oferta de energia sempre foi, aliás, uma diretriz da política energética brasileira.
Futuro descarbonizado
No futuro descarbonizado previsto pelo Acordo de Paris, a frota mundial será movida, principalmente, por energia elétrica. Por energia proveniente de fontes renováveis, produzida em painéis solares instalados em parques solares ou edifícios, em usinas eólicas ou em hidrelétricas. Hoje, no mundo, existem 27 milhões de veículos elétricos. Até 2026, serão 100 milhões; e em 2040, 700 milhões, pelas contas da Bloomberg EF. De acordo com Agência Internacional de Energia (AIE), 2022 marcou um recorde histórico na venda de veículos elétricos, com uma taxa de crescimento de 35% ao ano. Qual mercado ou produto cresce nessa velocidade? Poucos, muito poucos.
Até 2035, segundo a McKinsey, os carros elétricos representarão 100% das vendas na Europa, 90% na China, 71% nos Estados Unidos e 70% globalmente.
O Brasil não está alheio a essa realidade, mas caminha em outro ritmo. No primeiro semestre deste ano, cresceu 58% o emplacamento de veículos leves eletrificados na comparação com o mesmo período do ano passado. Mesmo assim, no acumulado de janeiro de 2012 a junho de 2023, a frota de carros elétricos em circulação no Brasil soma, ainda, apenas 158,6 mil unidades. Há avanços também na oferta de veículos pesados elétricos. Mas toda a frota não passa de 3% do total de veículos em circulação. Além do benefício ambiental, outros atrativos do carro elétrico são os baixos custos de manutenção e o preço da energia para recarga. Considerando o modelo BYD D1, que tem uma bateria de 50Kw e uma autonomia de 418 km, é possível recarregar 80% da bateria por R$ 72,00.
O que falta no Brasil?
E o que falta para o veículo elétrico deslanchar no Brasil? A primeira impressão é a de que é preciso ultrapassar duas barreiras: reduzir o preço do carro e aumentar a infraestrutura de carregamento. É aquela história sobre quem vem primeiro: o ovo ou a galinha. Não compro o carro porque a infraestrutura de carregamento ainda é tímida ou têm poucos pontos de recarga porque a frota é pequena?
Nestes pontos, nos amparamos na história para ir adiante. Qualquer nova tecnologia ou grande mudança obedece a uma rampa de crescimento e pode requerer políticas públicas que suportem esta fase inicial. Foi assim, por exemplo, com a geração de energia solar e eólica. Começaram como fontes incentivadas – eram chamadas de alternativas – e hoje ocupam a segunda e terceira posição no ranking da capacidade instalada no Brasil. O apoio estatal abriu mercado, a tecnologia se desenvolveu, o preço caiu e o mercado cresceu exponencialmente. Pouca gente se recorda ou sabe que tudo começou por meio de um programa governamental, o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia), lançado em 2001.
Na União Europeia, na Ásia e nos Estados Unidos, a expansão da frota de carros elétricos está sendo alimentada por subsídios e programas de incentivo nacionais. O Brasil tem diversos fatores que podem acelerar a transição dos veículos à combustão para os elétricos: mercado consumidor imenso; setor automotivo com apetite para investir na produção de veículos elétricos; a indústria, o comércio e o setor de serviços enxergam a eletrificação como uma solução competitiva para descarbonizar sua cadeia produtiva; o cliente quer produtos mais sustentáveis; as instituições financeiras estão ávidas em ofertar crédito para viabilizar a expansão dessa frota; e o governo federal emite sinais favoráveis a políticas que possam acelerar a transição energética.
Podemos estar diante do início de um novo ciclo virtuoso, de consolidar o Brasil como uma potência energética mundial e liderar uma nova indústria. Mas é preciso pôr a mão na massa, acelerar o passo e deixar de remar contra a correnteza. Governos, Legislativo, mercado e sociedade, o futuro começa hoje.
* Marcos Severine, 51 anos, formado em Administração no Mackenzie (SP). Com mais de 28 anos de experiência no mercado financeiro, liderando a cobertura de energia na América Latina para instituições como JP Morgan, Itaú BBA, Unibanco, Socgen, BBA Creditanstalt, Intesa BCI e Credit Lyonnais, Severine é hoje CEO da cleantech Pontoon. Antes, foi CEO da BRIX Energia e Futuros.
Alexandre Zanotta, 46 anos, é formado em Direito na PUC/SP. Tem mais de 25 anos de experiência como advogado atuando nas áreas societária, M&A e mercado de capitais. Zanotta é hoje Diretor Corporativo da cleantech Pontoon, uma empresa que fornece soluções de descarbonização para grandes empresas.
3 thoughts on “Carro elétrico: o que falta para o Brasil desenvolver esse mercado?”